quarta-feira, 25 de junho de 2014

Lágrimas de sonhos revolucionários

Conforme disse, sonhos não são usurpáveis; não os sonhos revolucionários, libertos das amarras da escravidão consumista, mas sonhos infantis, pueris, autênticos. O intercâmbio cultural deste momento é enriquecedor, o prazer de cantar em coro uma nação é arrebatador. A memória dessa experiência coletiva é imperecível e poder dividir isso com quem você ama é recompensador. Essa está sendo minha experiência pessoal neste Megaevento. Minha paixão não foi usurpada pelos sentimentos deflagrados pela minha experiência racional (nem da deflagrada pelos sentimentos advindos do meu "fígado").

Pra temperar meu entorpecido sentimento de satisfação, é muito bacana ver os reacionários e pessimistas de plantão engolirem toda a saliva da raiva que possuem e reconhecerem que o evento é um sucesso. E mais, que o povão que não frequenta aeroportos, que não tem celular 4G, não usufrui da rede hoteleira ou sequer passa perto dos estádios está com a auto-estima nas alturas. É lindo ver o público manaura, cuiabano, potiguar, brasiliense, porto-alegrense cantar dentro dos estádios: EU SOU BRASILEIRO, COM MUITO ORGULHO, COM MUITO AMOR! Isso é uma resposta popular aos que diziam que o evento seria um fiasco. Não estou lembrado de um evento desse porte nas capitais amazonense, mato-grossensse ou potiguar... Isso sim, é autoestima! Todos nós sabemos o que aconteceu para o evento poder se realizar, mas, como disse antes, nossa cultura, nossos sentimentos, nossos sonhos e a luta que vem em decorrências destes são nossos, possuem todas as nossas impressões digitais. Não venham nos roubá-las. Um ensaio de "legado" da copa: estamos mais fortes, mais sabidos, mais ativos e mais participativos. Utilizemos este legado! Sigamos em frente na transformação política de cada um de nós.

Replico o esperançoso texto de Luís Nassif que demonstra essa derrota dos reacionários da mídia. Que mantenhamos nossos olhos abertos para o que vem a seguir, pois eles, como sempre, já estão tentando virar o jogo para o seu lado (do tipo 'eu sabia que seria um sucesso'):


Já se tem o resultado parcial da Copa: reconhecimento geral - da imprensa nacional e internacional - que é uma Copa bem organizada, com estádios de futebol excepcionais, aeroportos eficientes, sistemas de segurança adequados, logística bem estruturada e a inigualável hospitalidade do povo brasileiro.
Vários jornais (internacionais) já a reconhecem como a maior Copa da história.
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Agora, voltem algumas semanas atrás, pouco antes do início da Copa.
A imagem disseminada pela imprensa nacional - era a de um fracasso retumbante. Por uma mera questão política, lançou-se ao mundo a pior imagem possível do Brasil. O maior evento da história do país, aquele que colocou os olhos do mundo sobre o Brasil, que atraiu para cá o turismo do mundo,  foi manchado por uma propaganda negativa absurda. Em vez das belezas do país, da promoção turística, do engrandecimento da alma brasileira, da capacidade de organização do país, os grupos de mídia nacionais espalharam a imagem de um país dominado pelo crime e pela corrupção, sem capacidade de engenharia para construir estádios - justo o país que construiu duas das maiores hidrelétricas do planeta -, com epidemias grassando por todos os poros.
Um dos jornais chegou a afirmar que haveria atentados na Copa, fruto de uma fantasiosa parceria entre os black blocks e o PCC. Outro informou sobre supostas epidemias de dengue em locais de jogo da Copa.
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O episódio é exemplar para se mostrar a perda de rumo do jornalismo nacional, a incapacidade de separar a disputa política da noção de interesse nacional. E a falta de consideração para com seu principal produto: a notícia.
Primeiro, cria-se o clima do fracasso.
Criado o consenso, abre-se espaço para toda sorte de oportunismos. É o ex-jogador dizendo-se envergonhado da Copa, é a ex-apresentadora de TV dizendo que viajará na Copa para não passar vergonha.
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Tome-se o caso da suposta corrupção da Copa. O que define a maior ou menor corrupção é a capacidade de organização dos órgãos de controle. O insuspeito Ministério Público Federal (MPF) montou um Grupo de Trabalho para fiscalizar cada ato da Copa, juntamente com o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União. O GT do MPF tornou-se um case, por ter permitido economia de quase meio bilhão de reais.
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Antes da hora, é fácil afirmar que um estádio não vai ficar pronto, que um aeroporto não dará conta do movimento, que epidemias de dengue (no inverno) atingirão a todos, que os turistas serão assaltados e mortos. Fácil porque são apostas, que não têm como ser conferidas antecipadamente.
Quando o senhor fato se apresenta, todos esses factóides viram pó.
A boa organização da Copa não é uma vitória individual do governo ou da presidente Dilma Rousseff. É de milhares de pessoas, técnicos federais, estaduais e municipais, consultores, membros dos diversos poderes, especialistas em segurança, trânsito, empresas de engenharia, companhias de turismo, hotelaria.
E tudo isso foi jogado no lixo por grupos de mídia, justamente os maiores beneficiários. Eram eles o foco principal de campanhas publicitárias bilionárias, sem terem investido um centavo nas obras. Pelo contrário, jogando diuturnamente contra o sucesso da competição e contra qualquer sentimento de autoestima nacional.
Para aprofundar no conhecimento sobre o evento e conhecer o que está por detrás destas belas cortinas vale a pena consultar a parte lúcida e sistematizada do nosso sentimento revolucionário:

O lugar da participação popular - Raquel Roulnik

  








quinta-feira, 12 de junho de 2014

A minha Copa do Mundo


Há 4 anos, sentado em minha sala diante da televisão e assistindo ao jogo final da última copa, Espanha x Holanda, pensava: "Uau, daqui a quatro anos isso tudo estará acontecendo em meu país, em minha cidade. E nada está diferente, nada sinaliza que estará diferente. Como se dará isso? O esporte que eu mais amo, em sua expressão máxima, a apenas 2 km da minha casa? O que estarei fazendo? Terei a chance de estar lá? Minha cidade se elevará ao patamar de 'primeiro mundo', conforme vende a mídia?"

Passados quatro anos, acho impressionante o salto de modernização conservadora dado nesse período. Por exemplo, o aparelho de usurpação do fundo público modernizou-se. A propaganda ideológica nacionalista-ufanista-alienante modernizou-se. O aparelho repressor das forças de segurança modernizaram-se. As formas de endividamentos público e privados diversificaram-se e modernizaram-se. O que se conservou:

Minha situação financeira. 
Minhas condições de trabalho. 
A situação do meu time. 
Meu grau de indignação com as injustiças.
Meu gosto por cerveja e futebol.

Todavia, também evoluiu o grau de indignação e discernimento da população diante de tamanho assombro com os gastos públicos. Entretanto, é importante destacar inicialmente que os gastos com a Copa giram em torno de 25 bilhões, mas esses gastos não fazem a menor cosquinha nos gastos com saúde, educação e segurança, dois motivos de indignação com serviços públicos apontados nas jornadas de junho/2013 e que ganham grande repercussão até hoje. E por mais que sejam volumosos e em alguns casos assombrosos, o que mais me impressiona é a enorme celeridade com que se arrebanharam as forças políticas, as dotações orçamentárias, a aprovação de legislações voltadas para o evento. Isso estabelece indubitavelmente que a prioridade é o desenvolvimento econômico, geração de receitas  e divisas tanto anunciada pelos promotores do evento, mesmo que isso aumente a desigualdade social, a concentração de renda, o fisiologismo e favoritismo político aos grupos que nunca, repito, NUNCA saíram do poder neste país, mesmo sob um governo de esquerda. A Copa 2014 traz capital político para todas as correntes e ideologias partidárias, mais ainda em ano eleitoral e ainda mais para os partidos que estão aparelhados com o poder (seja nas esferas municipal, estadual ou federal). Mas aqueles que detêm o poder econômico e a direção da sociedade civil aprenderam definitivamente que o poder econômico é o que fala mais alto na política. Ou seja, eles podem brigar, esbravejar, mas estão de barriguinha cheia.

O dito legado da copa, de fato, não se aplica aos que utilizam os serviços públicos, mas sim àqueles que estão inseridos no mercado de consumo. As novas estradas, novos aeroportos, estádios, e especialmente segurança pública são praqueles que podem pagar por eles, podem consumi-la. Isso tudo que foi estipulado como "Padrão FIFA" corresponde a um padrão de civilização burguesa europeia, uma região do capitalismo que já têm controlada muitas de suas contradições sociais desde o século passado, já tem expertise em apaziguar crises econômicas e sociais desde a Primeira Guerra Mundial. Principalmente econômica, desenvolvendo novas e modernas formas de exploração, manutenção das taxas de lucros e bem-estar social (dependendo da crise econômica, nem tanto bem-estar assim).

Agora, aqui no nosso Brasil isso não cola. Vivemos desde o nosso berço nada esplêndido espoliados por interesses internacionais aliados a oportunismo de setores da burguesia nacional subservientes e cúmplices a esses interesses. Ainda que tenhamos vivido nos últimos anos avanços inegáveis na área do desenvolvimento social em comparação com séculos de atraso, também são inegáveis o acirramento da desigualdade social e concentração de renda. São dados matemáticos: aumentou a renda do pobre, aumentou ainda mais a renda do rico. E, retomando o assunto gastos com a copa, que anteriormente chamei irrisórios diante outros setores do investimento público, há de se destacar o gasto com a dívida pública: no Orçamento Geral da União (OGU) executado em 2013 foram gastos 718 BILHÕES de reais com o pagamento de juros e amortização da dívida pública, segundo o Portal da Auditoria Cidadã.

OGU 2013. Total: R$ 1,783 trilhão. 
Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida

Então, camaradas da FIFA, vocês que já nos impõe onde devemos gastar nosso dinheiro, utilizam sua marca para lucrar à custa do nosso trabalho e ainda querem ditar um modelo de civilização? O forte "legado" para segurança pública não me parece ter sido suficiente, ao ponto de ter visto nas ruas da cidade as forças militares ferozmente armadas. Certamente é pra controlar os "terroristas" à lá ditadura militar... (tradução: manifestantes).

É dolorido, portanto, ter que  reconhecer o sucesso do evento. Sim, o sucesso, pois o futebol cativa as emoções mais intensas as quais seus admiradores jamais se desvencilhariam em qualquer copa do mundo, ainda mais uma que ocorre no seu quintal. No fundo é triste sorrir de emoção e, ao mesmo tempo, chorar pela derrota de minha cidadania, de minha luta, de minha história como cidadão brasileiro. É contraditório que eu aumente meu endividamento pessoal para enriquecer uma entidade internacional motivado por uma oportunidade cultural ímpar na minha vida e especialmente na dos meus filhos enquanto, novamente chorando, tento sorrir e gritar Brasil. É triste ser usurpado e, ao querer mostrar minha revolta na rua, deparar com jovens fardados portando fuzis para me intimidar.


É duro assistir à Copa na TV sem a voz de Luciano do Valle. Parênteses: ele, além de ser o dono do único autógrafo que já peguei em toda minha vida,  é um dos responsáveis por eu ter desenvolvido o gosto por esportes, por todos os esportes, e por isso, certamente, influenciado em minha escolha pelo curso de Educação Física, hoje meu trabalho, e o sustento de minha família. Sem ele, o esporte espetáculo perde o brilho... Mais uma vez a cretinisse e a falta de graça hegemonizam.


Resta-me a impressão que durante todo esse tempo apenas estive recolhido ao posto de "consumidor de segunda classe", aquele que tem acesso somente à exposição superficial do que aparece na vitrine da TV. Agora com arenas modernas, confortáveis, seguras e elitizadas eu e parte do povo brasileiro podemos nos considerar "consumidores de primeira classe" do esporte. Essa é a lógica do jogo comandado pela FIFA, pelos detentores do poder econômico e por alguns governantes que elegi por seus propósitos "democráticos e populares". Isso também irá doer na hora que a lágrima rolar quando ouvir o hino nacional no estádio.

Enfim... 4 anos após aquele momento de reflexão, residindo 20 km mais distante do estádio, com muitas reflexões na cabeça devido as muitas voltas e oportunidades que a vida me deu para produzi-las vejo que pouca coisa mudou. As respostas àquelas perguntas do sofá podem ser expressas, talvez, pelo mesmo sentimento de incertezas e também pelo movimento que sou impelido a tomar dia após dia de propiciar aos meus filhos o principal sentido de legado - a missão de deixar algo concreto, material, que tenha utilidade no futuro. E o "legado" principal que extraio deste momento histórico é que existem coisas no plano da materialidade que jamais são usurpáveis: nosso patrimônio cultural; nossos sentimentos; nossa indignação e a luta decorrente dela; nossa capacidade para o trabalho; a força revolucionária que eclode diante de todos esses fatores; nossos sonhos.

Ao anúncio do primeiro apito desta copa, a lágrima que fatalmente emanará de meus olhos, torço, estará afeiçoada deste verdadeiro legado de esperança e sonhos revolucionários.