sábado, 17 de novembro de 2012

Educação para nossos filhos - Pasteurização e hegemonização de um pensar/agir pedagógico neoliberal: o Construtivismo .


Neste segundo semestre tenho, junto com  Lili, procurado exaustivamente uma escola nova para matricular nossos filhos no próximo ano. As razões da mudança de escola são simples: o Davi ingressará o ensino fundamental, alcançando a idade limite para a escola atual; o João Pedro o acompanharia por uma questão de logística familiar indo, preferencialmente, pra mesma escola do irmão. Entretanto, por detrás disso há motivos muito mais contundentes para a troca: não aguentamos mais ser assaltados pelas instituições particulares de ensino, ser tapeados com propostas e metodologias falaciosas e também sermos ludibriosamente coniventes com a precarização de trabalhadores em detrimento ao lucro exorbitante das instituições. Então vínhamos experimentando, assim como outros pais da escola, a angústia de encontrar uma instituição que atendesse nossos anseios de uma formação humanizadora e consistente no sentido ético, filosófico, corporal e científico, e ainda possibilitando-nos o exercício de nosso trabalho de 40h semanais. A necessidade por um atendimento em instituição que ofereça educação em tempo integral é um lugar-comum na vida das famílias onde ambos os pais necessitam trabalhar.

Nessa busca, que mais seria uma contenda, diversas escolas têm sido visitadas por mim e também por outros pais/companheiros.  E uma das minhas maiores dificuldades para efetivar a matrícula em instituições de educação privada (somadas à falta de grana, obviamente) é ter que engolir a receita descrita no parágrafo anterior. Mas não somente isso: é ter que me render, sorrindo, à proposta pedagógica que norteia e embasa a educação oficial brasileira, o construtivismo. Explico-me melhor.

A psicologia genética desenvolvida pelo biólogo suíço Jean Piaget, a qual embasa radicalmente a concepção pedagógica construtivista, tem também servido como base para as políticas educacionais brasileiras desde o início do século XX, com o surgimento da Escola Nova em superação à “escola tradicional”. Sua influência perdura até os documentos oficiais recentes como os Parâmetros Curriculares Nacionais (os PCN’s), desenvolvido pelo governo FHC, e em vigência até os dias atuais. Essa teoria pedagógica desloca o conteúdo e o professor do cerne do processo ensino-aprendizagem (o que é postulado como “educação tradicional”) para o estudante e sua capacidade individual de aprender, de acordo com a etapa maturacional de seu desenvolvimento. Segundo o próprio Piaget (1994):

Em cada um desse níveis, o espírito desempenha a mesma função, isto é, incorporar o universo a si próprio; a estrutura de assimilação, no entanto, vai variar desde as formas de incorporação sucessivas da percepção e do movimento, até as operações superiores. Ora, assimilando assim os objetos, a ação e o pensamento são compelidos a se acomodarem a esses, isto é, a se reajustarem por variação de cada variação exterior pode-se chamar “adaptação” ao equilíbrio destas assimilações e acomodações. Esta é a forma geral de equilíbrio psíquico. O desenvolvimento mental aparecerá, então, em sua organização progressiva como uma adaptação sempre mais precisa à realidade. (PIAGET, 1994, pág. 17 apud DUARTE, 2000)

O importante na concepção Construtivista não é aprender ao máximo, mas potencializar a aprendizagem e continuar aprendendo após a escola. Esse raciocínio, efetivamente, acaba por transferir o cerne do processo ensino-aprendizagem para o aluno, de forma que todo o conhecimento deve ser facilitado e mediado para que seja assimilado pelo educando de acordo com sua etapa de desenvolvimento bio-psicológico, fazendo de seu desenvolvimento pessoal a engrenagem principal deste maquinário. Assim, a aprendizagem se dá em etapas maturacionais, a qual deve ser facilitada e estimulada.

Portanto, essa concepção defende que a aprendizagem é nivelada em etapas de desenvolvimento, dando ênfase a aspectos maturacionais e biológicos, fechando a teia da aprendizagem e da construção do conhecimento nos lemas  aprender a conhecer, aprender a aprender, aprender a fazer, postulados basilares da concepção pedagógica construtivista. Credito a Newton Duarte (2000) a melhor análise sobre esta falácia:

Nossa avaliação é a de que o núcleo definidor do lema “aprender a aprender” reside na desvalorização da transmissão do saber objetivo, na diluição do papel da escola em transmitir esse saber, na descaracterização do papel do professor como alguém que detém um saber a ser transmitido aos seus alunos, na própria negação do ato de ensinar. (DUARTE, 1998, apud DUARTE, 2000, pág. 8).

E continua:

O lema “aprender a aprender” é a forma alienada e esvaziada pela qual é captada, no interior do universo ideológico capitalista, a necessidade do caráter estático da educação escolar tradicional, com seu verbalismo, seu autoritarismo e seu intelectualismo. A necessidade de superação das forma unilaterais de educação é real, objetivamente criada pelo processo social, mas é preciso distinguir entre necessidade real e as forma alienadas de proposição de soluções para o problema. O lema “aprender a aprender”, ao contrário de ser um caminho para superação do problema, isto é, um caminho para formação plena dos indivíduos, é um instrumento ideológico da classe dominante para esvaziar a educação escolar destinada à maioria da população enquanto, por outro lado, são buscadas formas de aprimoramento da educação das elites (DUARTE, 2000, pág. 8)

A educação fundada na proposta construtivista se desdobra em alienação a partir do momento onde o indivíduo interage com todo o conhecimento histórico produzido pela humanidade (conduzido até ele pela escola) e com os demais seres segundo a lógica da assimilação e acomodação das informações, em detrimento da apropriação, síntese e socialização do mesmo, dentro do contexto sócio-histórico de cada indivíduo. Isto é, transformar a natureza, o ambiente e a própria sociedade na perspectiva marxista: tese-antítese-síntese; trabalho - humanização. E no universo infantil, entendo, isso implica em oferecer estímulos, informações, cultura e conteúdos contextualizados no universo do educando oferecendo-lhes oportunidade de intervenção e síntese dos mesmos, desprovidos de arestas e bitolas pré-determinadas por etapas de desenvolvimento biológico. Facci (2011) acredita que “deve-se considerar o enfoque histórico dos ritmos de desenvolvimento e o surgimento de certos períodos de acordo com o avanço histórico da humanidade” (FACCI, in MARSIGLIA, 2011, pág. 127).

Acredito que a fragilidade desta compreensão da aprendizagem e desenvolvimento humano encontra-se na naturalização e universalização do ser humano biológico, a-histórico, dessocializado e idealizado, não materializado. Isso pode sugerir que o sucesso ou o fracasso do educando é de sua própria responsabilidade, tendo em vista que, para os construtivistas, o desenvolvimento humano é universal, do Japão à Uganda, da Suíça ao Paraguai, em todos os tempos e lugares históricos, mas ignorando que Piaget “desvelou” os segredos do desenvolvimento infantil a partir de seus estudos no contexto do positivismo europeu. Também sugere que a dinâmica social da humanidade ocorre de forma natural, ou seja, a divisão da sociedade em classes privilegiadas e desprivilegiadas é normal e fruto da evolução do ser humano. Não é à toa que essa lógica representa o fundamento dos programas educacionais, não só no Brasil, mas também sugeridos pela UNESCO (Duarte, 2000). Entretanto, não fazem questão de revelar qual a direção deste projeto de educação, a qual projeto histórico de homem e de sociedade ele serve e que, de fato, ele apenas enquadrou o conhecimento científico e tecnológico a ser transmitido pela escola na perspectiva da qualidade total a partir de métodos didáticos mais suaves e interessantes. Não sou eu quem afirma isso, outros educadores e pesquisadores de elevadíssimo nível me auxiliaram nessa visualização, como os até aqui citados, acrescidos de Saviani e tantos outros da minha área, a educação física. Cito Roberto Liáo Jr, amigo, orientador de minha especialização e exemplo pessoal de cultura e engajamento político.  

Trazendo para o contexto material, cotidiano, prático, percebi que as grandes lições disponíveis para meus amados rebentos e seus amiguinhos, segundo este modelo de transmissão da cultura, conteúdo e “desenvolvimento” educacional sustentadas pelo Construtivismo são a naturalização:


· da postura de pajem dos educadores em relação a eles (e também aos pais), reflexo da insegurança e instabilidade no emprego (precarização do trabalho);
· do distanciamento dos professores e demais trabalhadores do cotidiano escolar em relação a eles e sua família, reflexo da precarização e hierarquização das condições de trabalho;
· do aprisionamento dos saberes e da cultura infantil à cultura do consumismo e do trabalho hierarquizado, reflexo da formação inicial e continuada precárias e com viés construtivista dos educadores;
· da ingerência de fatores extra-classe no trabalho pedagógico, como reflexo da hierarquização e da lógica de gestão empresarial nas instituições particulares de ensino;
·  da fragmentação e descontinuidade do trabalho pedagógico, como decorrência da terceirização de atividades de ensino como oficinas esportivas, de línguas, de artes, etc.
· da sobrepujança de profissionais de áreas afetas à educação como psicólogos e administradores na gestão de assuntos pedagógicos;
· da naturalização da sociedade de classes, como decorrência da relação estabelecida no contexto: consumidor (do serviço educacional) – prestador (do serviço educacional).

Isso para meus filhos (e certamente para outras crianças também),  implica em dificuldade de situarem-se como filhos da classe trabalhadora, a qual esforça-se de maneira sobre-humana para que aquele espaço e oportunidade sejam lhes sejam garantidos. Assevero, há aqueles que efetivamente são filhos da classe trabalhadora. Mas, em instituições de ensino privadas, hão também aqueles que queiram distanciar-se de uma possível educação popular, querendo garantir uma “educação privilegiada”, a respeito do método, da estrutura e ao contexto social. 

A despeito dessa conjetura burguesa decidimos, finalmente, efetuar a matrícula de nossos filhos no escola pública, cuja proposta pedagógica encontra-se à sombra de uma pedagogia histórica e crítica (perífrase minha...), vislumbrando uma maior possibilidade de diversidade humana sem o viés capitalista, um maior controle social na intervenção da escola (consequentemente da sociedade ) em nossos filhos, e, principalmente, no real posicionamento dessas duas crianças em seu contexto socioeconômico, despertando, quem sabe, uma consciência revolucionária em relação à história de sua família, de sua sociedade, e de suas possibilidades profissionais e humanitárias. Isso é o meu desejo, parafraseando Gadotti (2003), a todas crianças da humanidade. Pois amo meus filhos a como todas as crianças da humanidade.

Referências que auxiliaram a construção deste post:

MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão (org.). Pedagogia histórico-crítica: 30 anos. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.

FACCI, Marilda Gonçalves Dias. A crítica às pedagogias do "aprender a aprender": a naturalização do desenvolvimento humano e a influência do construtivismo na educação in Pedagogia histórico-crítica: 30 anos. Ana Carolina Galvão Marsiglia (org.) - Campinas, SP: Autores Associados, 2011.

DUARTE, Newton. Vigotski e o "aprender a aprender": crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2ª ed., Campinas, Autores Associados, 2001.

CENEC. http://www.cnec.br/site2/php/educ_basica.php. Acesso na mesma data da postagem.

GADOTTI, Mocir. A dialética do amor paterno. 6ª ed. São Paulo, Cortez, 2003.